“Neste ambiente internacional muito exigente, é ainda mais gratificante o facto de termos ultrapassado os 30 mil milhões de euros em vendas, somando mais 5,2 mil milhões de euros ao desempenho de 2022.”
O ano de 2023 ficou marcado por um contexto internacional de ainda maior instabilidade e incerteza do que em 2022. Após dois anos, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia continua longe de estar resolvida, e a contraofensiva ucraniana não produziu resultados decisivos no terreno; depois, o conflito no Médio Oriente, originado pelo ataque do Hamas a Israel no início do último trimestre do ano, alargou-se entretanto a outros países – já em 2024, e por força da tensão no golfo de Adém entre Houthis e forças militares dos EUA e do Reino Unido, o acesso ao mar Vermelho ficou condicionado, o que trouxe dificuldades acrescidas ao comércio e às cadeias de abastecimento mundiais.
Em termos económicos, e apesar da descida abrupta da inflação alimentar especialmente na segunda metade do ano, a taxa de inflação manteve-se em níveis muito elevados, os mais altos em 30 anos. Por causa disto, os bancos centrais continuaraSm a ser muito cautelosos, ou seja, mantiveram altas as taxas de juro. Esta situação levou a um arrefecimento das economias, e a Europa, onde estão os nossos principais mercados, foi duramente penalizada. Foi aliás o continente com o pior crescimento económico e a Alemanha, motor económico da Europa, entrou em recessão.
Neste ambiente internacional muito exigente, é ainda mais gratificante o facto de termos ultrapassado os 30 mil milhões de euros em vendas, somando mais 5,2 mil milhões de euros ao desempenho de 2022. No espaço de dois anos, as nossas vendas consolidadas aumentaram 10 mil milhões de euros, o que confirma a assertividade e relevância das propostas de valor das nossas Companhias e a força da sua liderança. Sendo certo que em 2023 a inflação e as taxas de câmbio funcionaram como adjuvantes do desempenho, orgulho-me de constatar que Jerónimo Martins se posicionou entre os poucos retalhistas no mundo que conseguiram crescer em termos reais.
Os resultados que alcançámos, a melhoria contínua dos sortidos que disponibilizamos e da experiência de compra que as nossas lojas oferecem a quem nos visita, num ambiente concorrencial crescentemente intenso, só são possíveis com uma entrega extraordinária das equipas e porque não desacelerámos os investimentos nos nossos negócios e no reforço da sua presença nos respetivos mercados.
Esta nossa dinâmica de crescimento, aliada à força das posições competitivas das nossas insígnias, é e continuará a ser muito importante para atravessar os perigosos tempos que se avizinham. Num contexto em que a rápida descida da taxa de inflação convive com uma trajetória inflacionista dos custos, há o desafio adicional de ver aumentar a competição pelo crescimento dos volumes, o que leva inevitavelmente a uma ainda maior pressão sobre as margens. Além disso, sabendo que as taxas de juro se mantêm altas e que os consumidores estão com o seu poder de compra condicionado, teremos de ter a criatividade e o engenho de encontrar soluções para continuar a crescer, e também agilidade e determinação para converter todas as oportunidades que se perfilem no nosso horizonte.
A Biedronka teve, em 2023, mais um ano excecional, aumentando as suas vendas totais para os 21,5 mil milhões de euros – o que corresponde a um crescimento em moeda local de 18,2% (com um like-for-like de 14,2%) e a cerca de 70% do volume de negócios do Grupo – e reforçando, mês após mês, a sua quota de mercado. Para isto contribuiu o espírito de inovação e melhoria contínua do sortido que se traduziram em 222 novos lançamentos na Marca Própria (593, se incluídos os in&outs). E contribuiu também, decisivamente, o sistemático investimento em preço e no reforço da liderança da atividade promocional no mercado polaco (202 folhetos e 579 anúncios de TV), que se refletiu numa inflação no cabaz sempre inferior à inflação alimentar registada no país. Esta assertividade, conjugada com o aumento dos custos, levou a uma redução em 21 pontos-base da margem EBITDA da Biedronka para os 8,5%.
Num ano em que, tendo aberto 203 lojas (174 adições em termos líquidos), fechou com 3.569 localizações e remodelou 375, a Companhia manteve-se como o principal destino do nosso investimento, que tem sabido utilizar também para reforçar a diferenciação da sua proposta de valor, por exemplo com a abertura de balcões de talho, que, no final do ano passado, já estavam em mais de mil lojas – quase um terço da rede. Quanto à operação de entregas rápidas Biek, o crescimento tem sido assinalável e muito promissor, confirmando a forte adesão dos consumidores polacos à conveniência.
Quero deixar ainda uma nota de especial reconhecimento às equipas da Biedronka pelo seu empenho na preparação da expansão para a Eslováquia. Para além de uma gestão extraordinária daquele que é o mais valioso negócio do Grupo, mostram o seu compromisso com o futuro ao criarem as condições para uma entrada bem-sucedida no país vizinho. É um avanço que já tínhamos anunciado e que se irá concretizar nas primeiras aberturas de lojas e de um centro de distribuição no final de 2024, somando mais um país ao nosso portefólio de operações.
A Hebe, que tem desde 2022 presença online na Eslováquia e na Chéquia, abriu, no final de 2023, duas flagship stores em Praga como forma de reforçar a confiança na marca e aumentar o seu envolvimento com os consumidores, numa lógica complementar à estratégia assumida de digital first.
O e-commerce tem sido – e deverá continuar a ser – o principal motor de crescimento da Companhia. Em 2023, a Hebe aumentou em 47,6% as vendas online, que passaram a representar cerca de 17% dos 469 milhões de euros de vendas totais. Face a 2022, o volume de negócios aumentou em 30,9% e o EBITDA em 31,5%, com a margem a evoluir para os 9,1%. Em termos de expansão na Polónia, a estratégia continua a passar por uma abordagem muito seletiva, que se traduziu em 32 aberturas no ano e no encerramento de quatro lojas.
Entre os países onde temos operações, Portugal foi a economia que mais cresceu, mas tal não se refletiu em qualquer alívio no orçamento das famílias portuguesas. O consumo privado manteve-se frágil ao longo de todo o ano, já que o crescimento da economia assentou sobretudo na evolução do turismo e nos fundos europeus do PRR, aplicados essencialmente no sector público. A taxa de inflação abrandou em Portugal, é certo, cifrando-se em 10% no ano, mas os níveis de preços que as famílias (e as empresas) enfrentaram continuaram a ser muito elevados e as taxas de juro do crédito não pararam de subir.
Neste contexto, o Pingo Doce manteve uma forte atividade promocional durante todo o ano, materializada em 150 folhetos e 79 campanhas, criando oportunidades significativas de poupança para os consumidores, que se traduziram num crescimento de 7,9% das vendas para 4,9 mil milhões de euros e numa margem EBITDA de 5,8%.
E porque um posicionamento baseado apenas na competitividade do preço não é suficiente para assegurar o futuro do negócio, a Companhia mostrou um espírito de equipa e um empenhamento notáveis na preparação e execução das profundas remodelações de loja previstas para o ano (60). Ao apostar na centralidade das soluções alimentares, dos frescos e do serviço, o novo conceito de loja está já a permitir ao Pingo Doce beneficiar daquilo que são as suas características mais diferenciadoras. Além disso, com quase 200 restaurantes Comida Fresca de portas abertas, o Pingo Doce disputa já hoje, em número de localizações, a liderança da restauração em Portugal. Para além do orgulho de ser o primeiro retalhista em Portugal, e um dos poucos no mundo, a ter conseguido eliminar a totalidade dos corantes artificiais e dos intensificadores de sabor de todos os seus produtos de Marca Própria.
Do ano que passou, quero também destacar, com entusiasmo, a forma inesquecível como o Pingo Doce respondeu à chamada da Jornada Mundial da Juventude, afirmando-se como o seu parceiro oficial para a alimentação. Foi um evento que juntou um milhão e meio de peregrinos e que exigiu uma operação logística sem precedentes.
O Recheio foi muito incisivo na forma como conseguiu capturar as oportunidades que se apresentaram em 2023. As vendas cresceram 15,1% para os 1,3 mil milhões de euros e o EBITDA teve uma evolução muito positiva, com a margem entregue pela Companhia a fixar-se nos 5,4%, uma franca recuperação face aos 5,1% entregues em 2022. O turismo teve mais um ano forte em Portugal, o que contribuiu para a evolução positiva do cash & carry e também para rentabilizar a aposta que o Recheio tem vindo a fazer na oferta dirigida ao canal HoReCa, nomeadamente o alargamento da plataforma Masterchef de Lisboa. A ligação do Recheio ao Retalho Tradicional está também cada vez mais forte e a rede de parceiros Amanhecer já conta mais de 600 lojas.
Na Colômbia, a situação económica deteriorou-se muito e o ano ficou marcado pela queda acentuada de volumes. Apesar da redução da inflação alimentar ao longo do ano, com uma taxa de 14,8%, os preços dos alimentos mantiveram-se muito elevados e as famílias continuaram a debater-se com sérias dificuldades. Neste contexto, a Ara foi muito assertiva na forma como respondeu à crise: criar oportunidades de poupança em permanência através de promoções e preços consistentemente baixos no cabaz de produtos básicos. Impulsionadas por 45 campanhas nacionais e 81 folhetos promocionais ao longo do ano, as vendas cresceram 42,7% em moeda local, com um like-for-like de 10,9%. Os fortes investimentos em preço e a decisão de manter um ritmo de expansão assertivo contribuíram para uma redução do EBITDA da Companhia, cuja margem foi de 1,9%. No ano em que celebrou a sua primeira década de operações, a Ara inaugurou 200 lojas, terminando com um parque de 1.290 localizações.
O nosso negócio agroalimentar, que completa dez anos em 2024, continuou o seu caminho de crescimento e diferenciação. Do crescimento da aquacultura e o aumento das produções de laticínios e de carne, até à chegada ao mercado de uvas biológicas sem grainha de uma marca nossa, muitos desenvolvimentos marcaram o ano. Este é, para nós, um caminho sem retorno, que está a ser trilhado de acordo com as melhores práticas ambientais e sociais.
Os nossos compromissos em matéria de sustentabilidade são aliás transversais ao Grupo, o que se traduz na nossa inclusão em mais de 130 índices de sustentabilidade. É com enorme satisfação que, pelo quarto ano consecutivo, somos o retalhista alimentar em todo o mundo com a melhor classificação pelo CDP. São muitas as iniciativas e ações por detrás do nosso desempenho e da redução consistente da nossa pegada ambiental. Do investimento em energias renováveis – com a colocação de painéis fotovoltaicos em cerca de 780 lojas e centros de distribuição –, à aposta nos gases de refrigeração naturais, do combate contra o desperdício alimentar e a poluição à luta contra a desflorestação, da promoção da agricultura sustentável ao investimento na eficiência logística, são muitos e multidimensionais os esforços postos em prática pelas nossas Companhias para fazerem a sua parte no que diz respeito aos desafios que se colocam à humanidade e ao planeta.
Um tema que me é particularmente caro é o da inclusão, algo que nos compromete enquanto empregador. Em Portugal, o Pingo Doce, o Recheio e a holding ostentam o selo de marca empregadora inclusiva, um reconhecimento pelo trabalho que temos vindo a desenvolver na geração de oportunidades de formação e emprego para pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade social. A diversidade da nossa força de trabalho, que vai muito para além das questões relacionadas com a inclusão, é cada vez mais um recurso precioso; temos colaboradores de mais de 70 nacionalidades, o que nos transforma num Grupo verdadeiramente multinacional, no qual existe a garantia da igualdade de oportunidades e de igualdade de género.
Felicito calorosamente todas as nossas equipas, em especial as que trabalham nas áreas operacionais, pelo tanto que conseguimos alcançar. O trabalho árduo, o compromisso e a dedicação demonstrados em 2023 são parte essencial e a grande força por detrás dos resultados de que neste relatório damos conta. São, por isso, muito merecidos e justos os 312 milhões de euros que atribuímos em reconhecimentos e prémios aos nossos colaboradores em Portugal, Polónia e Colômbia.
Aos acionistas de Jerónimo Martins, incluindo à família que represento, deixo também uma nota de apreço pela confiança firme que têm demonstrado nas equipas de gestão sob a minha liderança. Por último, o meu agradecimento a quem me acompanha mais de perto, na Direção Executiva do Grupo e no Conselho de Administração, pelo seu contributo para o desempenho de que as próximas páginas constituem o relato.
Pedro Soares dos Santos
Presidente e Administrador-Delegado do Grupo Jerónimo Martins